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Treinador de Goleiros, um Agente de Transformação



Antes de iniciarmos os conteúdos, são necessárias algumas ponderações importantes. As variáveis psicológicas no esporte e exercício físico são complexas e multifatoriais. Isso implica dizer que qualquer tentativa de redução dessas variáveis em modelos fechados e receitas prontas está fadada ao fracasso. O objetivo da aula e desse material é apresentar algumas perspectivas que nos ajudam a compreender de maneira mais objetiva elementos fundamentais da psicologia do esporte, ampliando a maneira como podemos entender e discutir comportamentos e processos importantes da formação esportiva. Assim, cabe ao profissional que tem acesso a este conteúdo refletir sobre sua realidade de trabalho, suas práticas e buscar formas de aprimoramento e aprofundamento em temas de relevância identificados.


Também, é importante frisar que o trabalho interdisciplinar é uma forma eficiente de desenvolver o atleta de maneira integral. O profissional de psicologia, e aqui defendo o profissional com especializações em psicologia do esporte, é figura fundamental para o contexto de formação. A interação desse profissional com demais membros de comissões técnicas, incluindo obviamente o treinador de goleiros, dentro de um modelo de confiança e trabalho coletivo, pode trazer resultados muito positivos que refletirá tanto no desenvolvimento esportivo do atleta quanto em dimensões afetivas e sociais.


Os tópicos aqui trazidos referem-se a visões de processos psicológicos que se manifestam não só no esporte mas em qualquer situação, pois estamos falando de comportamento humano. Os recortes sobre o tema serão abordados na aula e serão base para a avaliação do curso. Portanto, dedique um tempo para a leitura deste material fazendorelações e significações com aquilo que você se depara no dia-a-dia de trabalho. E saiba: muitos conteúdos que você verá, serão processos que você já teve que lidar ou que já discutiu em outras oportunidades. Portanto, você é um agente que “mexe com o psicológico do atleta” e conhecendo melhor esses processos, sua responsabilidade para com ele aumenta.


Eixo A - Dimensões psicológicas do treinamento na formação esportiva


* Os tópicos a seguir estão seguindo as bases do livro Fundamentos da Psicologia do Esporte e do Exercício Físico, de Robert Weinberg e Daniel Gould, publicado em português, em sua sexta edição (2015) pela Artmed (Porto Alegre- RS). Trata-se de uma das obras mais influentes da Psicologia do Esporte com conteúdos para todos os profissionais do esporte.


Tópico 1: Motivação


Quando estamos falando em processos motivacionais, algo que surge como ponto de partida é a reflexão dos porquês de certo tipo de comportamento ou classes de comportamentos. Uma definição clássica e bastante abrangente de motivação é a direção e a intensidade de esforço de certo comportamento (Sage, 1977). Isso quer dizer que para compreendermos os fatores motivacionais, precisamos adotar um olhar funcional do comportamento: qual o objetivo do indivíduo e o quanto de energia ele coloca para atingi-lo. A direção do esforço está relacionada ao que atrai o indivíduo, ao que ele busca se aproximar. Por exemplo, um jovem goleiro que pode estar motivado a entrar em uma determinada equipe, ou um preparador de goleiro que busca subir de categoria. A intensidade do esforço seria o quanto esse indivíduo se dedica em determinada situação. Um jovem goleiro pode treinar e buscar uma melhor equipe, mas pode não apresentar regularidade em sua frequência de treinamento. Ou seja, direcionamento e intensidade devem caminhar juntos. Existem vários modelos que buscam explicar os processos motivacionais dando caminhos para que profissionais das ciências do esporte possam entender e intervir de certa forma. Duas visões relevantes na literatura científica são:


1. Motivação Intrínseca: ligadas a fatores internos do indivíduo. Atletas com alta motivação intrínseca caracterizam-se por se esforçarem a ser competentes, por serem autodeterminados, por gostarem da sua prática esportiva e da competição, por jogarem por orgulho e por buscarem aprendizados para aprimoramento de suas habilidades.


2. Motivação Extrínseca: ligadas a fatores externos ao indivíduo. Atletas com alta motivação extrínseca apresentam comportamentos mantidos por contingências externas como reforço social, status, recompensas financeiras, valorização social, resultados, premiações e outros fatores.


As duas visões compõem um espectro da motivação que está em todo ser humano. Somos motivados por questões pessoais e sociais. Porém, algo que se encontra em muitas rodas de discussão e na literatura científica é que os fatores intrínsecos são os melhores mantenedores de classes de comportamentos necessários para a formação esportiva. Isto é, as fontes de motivação de atletas em formação devem ser maiores em fatores ligados ao próprio processo de formação: gostar do esporte, do treino, de aprender, de se conhecer e se desafiar.


Obviamente, fatores como a possibilidade de se profissionalizar, ter status e reforço social são fundamentais como combustíveis motivacionais. Entretanto, quando um atleta tem como maior fonte de motivação elementos externos e os resultados começam a ficar distantes, é provável que ele se desmotive mais do que um atleta com os mesmos resultados, mas que é motivado majoritariamente por elementos internos.


Portanto, uma forma de considerarmos a motivação de um olhar ampliado é pela interação de fatores internos e externos, como resumido no quadro abaixo:


Outra visão interessante que podemos considerar em nossa compreensão dos processos motivacionais é o modelo da necessidade de realização (Atkinson, 1974; Mc Clelland, 1961). O modelo é antigo mas perdura em muitas concepções recentes. Trata-se de uma visão interacional que compreende os elementos citados no quadro abaixo.


Fatores de personalidade interagem com fatores situacionais resultando em uma tendência que irá influenciar em nossas respostas emocionais e na conduta comportamental. O ponto de partida nessa concepção é a diferença entre estar motivado para alcançar o sucesso ou estar motivado para evitar o fracasso. Entrar para ganhar e entrar para não perder são disposições motivacionais muito distintas. Sim, elas podem acabar dando o mesmo efeito no resultado final, porém, há uma grande diferença nos comportamentos, emoções e consequências dos resultados, principalmente quando são negativos.

Observando o quadro acima, notamos que o atleta que tem como padrão a evitação do fracasso, do erro, tem o foco de sua motivação na possível vergonha decorrente desse fracasso. Isso pode aumentara probabilidade desse atleta apresentar um desempenho limitado por não correr riscos mesmo em situações mais controladas de treinamento, por evitar situações em que é avaliado e sentir maior pressão em situações mais decisivas, por exemplo. Por outro lado, atletas motivados pela busca do sucesso sentem-se confortáveis em situações decisivas,


buscam desafios e metas para sua performance e apresentam maior probabilidade de melhora de desempenho ao longo do processo de formação.

O quadro abaixo apresenta algumas características sobre atletas com altos ou baixos níveis de realização. Leia atentamente e busque relação com fatos e comportamentos observados no seu dia-a-dia de trabalho.

Tópico 2: Emoção As emoções também podem ser consideradas dispositivos motivacionais. Charles Cofer, autor do clássico livro Motivação e Emoção, traz uma relação muito íntima sobre esses processos e ressalta componentes biológicos, sociais, relacionais e individuais como base para a compreensão do comportamento humano. Nas ciências do esporte, há uma grande produção científica sobre como as emoções afetam o atleta, seja na formação ou no alto rendimento.


Essa variável foi explorada de diversas formas por métodos e teorias das mais diversas abordagens das ciências humanas e biológicas. Não caberia, em um curso de curta duração, termos um levantamento exaustivo sobre o tema. Com certeza, estaremos disponíveis para indicações de leituras complementares para aprofundamentos nos temas. Então, seguindo os tópicos do nosso manual de referência (Weinberg & Gould, 2015) vamos


apresentar modelos para compreensão de processos de ansiedade, estresse e ativação.

Imagine um garoto de 13 anos que está treinando exaustivamente para se tornar um grande goleiro. Até o presente momento, ele treina em uma escola de futebol de uma cidade do interior do Estado de São Paulo. Participa de campeonatos locais e também joga na escola regular. Um de seus treinadores acredita muito em seu potencial (físico, técnico e psicológico - pois ele sempre se mostrava muito calmo e concentrado em treinos e jogos) e marca uma avaliação em uma equipe da região que tem histórico de formação de atletas e que disputa o campeonato estadual.


Chegando lá, o garoto se depara com um ambiente completamente novo tanto em termos de estrutura, quanto no nível técnico e físico dos demais jogadores. Ainda sob efeito desse choque inicial, o garoto vai para sua primeira atividade de aquecimento e se vê diante de um exercício novo. Tenta observar o máximo possível os outros goleiros executando para que na sua vez realize o melhor movimento possível.


Agora, ele é o próximo a fazer a atividade. O companheiro que está fazendo antes dele comete um erro e leva uma chamada de atenção do treinador. A pergunta é: será que podemos esperar desse garoto a calma e tranquilidade característica diante de uma situação dessa? Qual é a percepção dele sobre sua capacidade técnica e a demanda da tarefa? Estão equilibradas nesse momento? O garoto sente medo? Ele está voltado para evitar o erro ou buscar o sucesso?


Essa situação hipotética, mas provável de acontecer no dia-a-dia, ilustra alguns conceitos chave sobre aspectos emocionais. Inicialmente, podemos evidenciar o processo de estresse. Ele é um desequilíbrio entre a exigência da tarefa e a percepção de capacidade do indivíduo em executá-la. Assim, se o novo exercício que o garoto está diante é percebido como mais exigente que sua capacidade de ação, há uma situação de estresse. O esquema abaixo sistematiza essa relação incluindo outros elementos importantes.


Uma vez em situação estressora, há uma série de consequências para o indivíduo. As respostas podem ser tanto fisiológicas quanto psicológicas. Aumento do batimento cardíaco, aumento da sudorese, tensão muscular, alterações em processos atencionais, pensamentos negativos, medo e outros aspectos estão borbulhando no indivíduo que necessita controlar e manejar esse estado. Em certo nível, podemos agrupar alguns desses elementos identificando-os como respostas de ansiedade. Existem duas concepções sobre a ansiedade que podem nos ajudar a entender esse processo: ansiedade de traço e ansiedade de estado. O quadro abaixo apresenta as diferenças entre elas.

Voltamos ao caso do nosso goleiro de 13 anos. Os treinadores da escola de futebol o consideravam calmo e concentrado. Isso poderia indicar, não afirmar, que esse garoto não tinha uma característica de ansiedade, ou seja, não tinha respostas de ansiedade como um traço de padrões de comportamento. Porém, diante de uma situação estressora como a narrada em nosso exemplo, é bem possível que ele apresentasse uma resposta de ansiedade, sendo um estado ansioso naquele determinado momento e isso pudesse afetar seu desempenho. A ansiedade é um estado emocional negativo caracterizado por nervosismo, preocupação e apreensão, associado à ativação ou à excitação do corpo.

Essa visão pode nos levar a compreender que a ansiedade será sempre negativa para a performance. Entretanto, alguns modelos da literatura mostram como estados de ansiedade podem ser componentes importantes para a ativação do organismo que o colocará em uma boa condição para a performance. “Ativação é uma combinação de atividades fisiológicas e psicológicas em uma pessoa e refere-se a dimensões de intensidade da motivação em determinado momento.


A intensidade da ativação ocorre ao longo de um continuum, variando de nem um pouco excitado (isto é, comatoso)a completamente excitado (isto é, frenético; ver Gould, Greenleaf e Krane, 2002). Indivíduos altamente ativados ficam mental e fisicamente excitados; têm batimentos cardíacos, respiração e sudorese aumentados. A ativação não está automaticamente associada a eventos agradáveis ou desagradáveis. Você pode ficar altamente excitado ao saber que ganhou 10 milhões de dólares. Poderia ficar igualmente excitado ao saber da morte de uma pessoa querida” (Weinberg & Gould, 2015, p. 71-72).


Um dos modelos é a hipótese do U-Invertido para explicar a relação de ativação e desempenho (Landers & Arent, 2010). “Essa visão sustenta que com baixos níveis de ativação o desempenho fica abaixo do padrão o praticante de exercícios ou atleta não está preparado psicologicamente. À medida que a ativação aumenta, melhora o desempenho até um ponto ideal em que ocorre o melhor desempenho. Aumentos adicionais na ativação, entretanto, fazem o desempenho declinar. Essa visão é representada por um U invertido que reflete o alto desempenho com o nível ideal de ativação e um desempenho mais baixo com ativações baixas ou muito altas” (Weinberg &Gould, 2015, p. 81). A figura abaixo ilustra a relação proposta por esse modelo.

Essa visão foi ponto de partida para muitas discussões sobre o tema. Mesmo bem aceita por muitos profissionais, foi alvo de críticas por conta de seu caráter mais preditivo generalista, ou seja, havia dúvidas sobre a generalização dessa explicação quando se considerava elementos da modalidade esportiva, da


personalidade dos atletas e outros fatores. Porém, ela pode ainda pode nos ajudar a construir e observar essa relação entre ativação e desempenho no dia-a-dia do trabalho em campo. Imaginando nosso goleiro de 13 anos, podemos considerar que o grande estresse sofrido possa ter elevado seu nível de ativação para além de um ponto funcional para seu desempenho.


Outros modelos foram sendo propostos para avançar na discussão. Um cientista russo chamado Yuri Hanin propôs uma visão alternativa que chamou de modelo de zonas individualizadas de desempenho ideal (Individualized Zones of Optimal Functioning – IZOF). Hanin (1980, 1986, 1997) verificou que atletas de elite apresentam uma zona de estado de ansiedade ideal na qual ocorrem seus melhores desempenhos. Fora dessa zona, ocorrem os piores desempenhos. Alguns pontos de diferença entre essa concepção e o modelo do U invertido são claras. O primeiro é que no modelo IZOF, o nível ideal de estado de ansiedade nem sempre ocorre num ponto médio do continuum, podendo variar de pessoa para pessoa. A segunda diferença é que existe uma larga faixa em que o atleta pode render seu máximo em função do nível de ativação. “Além disso, Hanin (1997, 2000, 2007) ampliou a noção de IZOF para além da ansiedade, demonstrando como as zonas de desempenho ideal usam as diversas emoções e outros estados psicológicos, como determinação, afabilidade e preguiça.


Ele concluiu que, para que ocorra o melhor desempenho, os atletas precisam de níveis ideais individualizados não apenas de estado de ansiedade, mas de várias outras emoções. A visão IZOF também defende a existência de emoções positivas (confiante, excitado) e negativas (receoso, nervoso) que incrementam o desempenho, bem como emoções positivas(calmo, à vontade)e negativas (intenso, incomodado) com uma influência disfuncional no desempenho. Trata-se de um desdobramento importante, porque admite que determinada emoção (como a raiva) pode ter uma associação positiva com o desempenho para uma pessoa e uma associação negativa com o desempenho para outra” (Weinberg & Gould, 2015,p.81).


Retomando nosso exemplo e o contextualizando nesse modelo, o jovem goleiro poderia ter uma relação entre nível de ativação e zona de desempenho ótimo como o atleta A, representado na figura acima. Ou seja, necessitaria de um baixo nível de ativação para encontrar-se em uma faixa individual ótima de performance. Tópico 3: Estabelecimento de metas Seguimos trazendo a história de nosso jovem goleiro que busca sua vaga em uma equipe de destaque para a sequência de sua carreira. Imaginem que, ao chegar para a avaliação no clube, ele foi abordado por um membro da comissão técnica que perguntou: qual sua meta a longo prazo, meu jovem? Pego de surpresa, ele respondeu: jogar na europa e ter minha independência financeira.

Ótimo! Essa talvez seja a meta para a grande maioria dos jovens brasileiros que buscam construir carreira no futebol. Mas para que esse objetivo seja alcançado, há um grande caminho, processo pela frente. Esse imaginário social criado sobre o jogador de futebol bem sucedido é componente importante e serve como grande incentivo (falaremos disso no Eixo C).


Mas será que esse desejo, de fato, pode ser considerado uma meta? Se sim, estamos diante de uma meta objetiva ou subjetiva? É muito comum observarmos no discurso corrente o uso de diversas formas de elaborar e definir metas. “Minha meta é emagrecer”, “minha meta é iniciar uma atividade física”, “minha meta é conquistar títulos”, “minha meta é jogar bem”, “minha meta é jogar num grande clube”, “minha meta é ganhar dinheiro”, “minha meta ter média inferior a 0,5 gols por jogo”, “minha meta é defender 1 a cada 4 pênaltis”. Esses discursos estão presentes em nosso dia-a-dia. Mas para termos objetivamente uma meta bem elaborada, temos que compreender alguns elementos.

Uma classificação geral possível é compreender as metas como subjetivas e objetivas. As metas subjetivas se caracterizam por declarações gerais de intenção que não oferecem parâmetros claros para seu monitoramento. Vamos utilizar um exemplo citado acima: minha meta é jogar bem. Esse é um exemplo de meta subjetiva. Jogar bem pode ser compreendido de diversas formas. Tal declaração não permite uma visualização clara do que seja o jogar bem e nem como posso acompanhar o progresso do atleta em direção à meta. Portanto, esse tipo de construção de metas deve ser evitado.

O cenário contrário são as metas objetivas. Elas têm como característica uma referência objetiva de um patamar desejado, tendo claros os indicadores e o tempo para que isso seja atingido. Assim, quando um atleta estabelece que sua meta é defender 1 a cada 4 pênaltis durante a temporada de 2021, temos claramente o parâmetro a ser monitorado e o período que ele vai ser avaliado. Assim, em diferentes momentos da temporada, podemos recorrer aos dados de número de pênaltis cobrados e defendidos, podendo estabelecer qual deve ser o desempenho para que isso seja atingido.


A objetividade da meta é importante para que o atleta e seus treinadores possam estabelecer novos parâmetros ou ajustá-los conforme os objetivos do atleta. Portanto, devemos prezar pelo estabelecimento de metas objetivas na formação dos atletas. Para saber se estou elaborando uma meta objetiva, pergunte-se: O que eu quero atingir? Como? Quando? Dentro das metas objetivas, há outra classificação importante. Vamos considerar o exemplo do pênalti. Ela reflete um desempenho que o atleta deseja obter em uma de suas ações durante a temporada. Porém, para se ter um bom desempenho em defesas de pênaltis, há uma série de fundamentos que devem ser bem executados e que aumentará a probabilidade do goleiro defender as cobranças. Assim, olhamos para a tarefa, para o processo, podendo considerar vários elementos que compõem todo o repertório motor envolvido na prática da defesa em cobranças


de penalidade. Essa distinção nos coloca diante de duas formas de estabelecer metas objetivas: metas de desempenho e metas de processo. As metas de desempenho são caracterizadas pela busca por padrões ou objetivos que são resultado do desempenho do atleta, sendo ele comparado a ele mesmo em diferentes momentos. Normalmente, são desempenho em certas ações ou fundamentos que não dependem de terceiros. Exemplos: aumentar em 10% a força nas avaliações X e Y, em 3 meses (exemplos gerais); baixar meu tempo de reação em 40ms até o início do campeonato W; diminuir meu percentual de gordura em 5% em 6 meses; voltar das férias com o mesmo peso do fim da temporada.

As metas de processo são caracterizadas pelo foco nas tarefas que irão produzir determinado desempenho. Então, para que o atleta consiga obter o aumento de 10% em testes de força em um período determinado, o que ele precisa fazer? As respostas a essa pergunta nos dão indicativos das metas de processo. Ele precisa fazer o treino específico ao menos 3 vezes por semana. Ele precisa seguir com a alimentação prevista em sua dieta. Ele precisa ter o descanso necessário. Assim, podemos estabelecer essas necessidades como metas objetivas de processo.

As vantagens do estabelecimento de metas de processo são várias. Primeiramente, quando voltamos a orientação da motivação para o processo, estamos diante de um aspecto que o atleta possui maior controle. Depende dele o cumprimento dessa meta. Ela refere-se a comportamentos do dia-a-dia, ou seja, o atleta tem contato diretamente com a situação que o coloca diante do desafio da meta. Outra questão é ter ganhos de curto e médio prazos que mantém a motivação do atleta por perceber de uma melhor maneira o cumprimento das metas de processo.


Ter uma meta, aos 14 anos, de jogar na Europa depende de tantos fatores incontroláveis que acaba sendo um valor de incentivo muito distante. Mas consolidar determinado movimento de um fundamento como queda lateral ou reposição com a mão, são muito mais tangíveis e controláveis, além de fundamentais para um bom desempenho que colocará o atleta mais próximo de bons resultados e possibilidades de destaque.

Assim, chegamos a outro tipo de meta: meta de resultado. Ela está diretamente associada ao resultado final de uma competição, seja ser campeão, seja obter determinada posição na tabela. Essa meta deve funcionar como um guia, norte para atletas e comissões técnicas, sendo importante todos envolvidos da instituição tê-la em mente todos os dias. Importante também considerar que as metas de resultado são perigosas porque não dependem somente do indivíduo ou da equipe.

Lembro do exemplo da temporada 2018-2019 da Premier League. A equipe do Liverpool conquistou 97 pontos. Com essa pontuação, seriam campeões de qualquer campeonato nacional naquela temporada e foi o recorde de pontos da equipe, até então, na história do campeonato. Pois bem, o Manchester City foi o campeão com 98 pontos. Uma possível meta de ser campeão inglês não foi atingida. Mas um desempenho desse nível deve ser reconhecido. Então, se a meta fosse pontuar mais de 90 pontos, ela teria sido atingida. E isso colocaria a equipe muito mais próxima ao título.


Para termos noção, nessa temporada o terceiro colocado, Chelsea, ficou com 72 pontos. Na temporada seguinte, o Liverpool teve mais um desempenho fantástico, quebrando seu recorde do ano anterior e fazendo 99 pontos, contra 81 do City. Esse desempenho, agora, trouxe o troféu para Anfield. A meta de resultado, portanto, deve ser acompanhada por metas de desempenho que aumentarão a chance do resultado desejado ser atingido. Essas também devem ser acompanhadas por metas de processo, que farão com que o desempenho desejado seja mais provável de ocorrer. Então, o que defendo aqui é que para ser campeão, precisamos primeiro pensar no processo e dele construir nosso desempenho e resultado.

Para encerrarmos essa primeira discussão, seguem algumas dicas sobre metas:

m Estabeleça metas específicas; m Estabeleça metas moderadamente difíceis, mas realistas;

m Estabeleça metas de curto e longo prazo; m Estabeleça metas de desempenho, processo e resultado;

m Estabeleça metas de treino; m Flexibilize estratégias para se atingir a meta;

m Considere fatores psicológicos envolvidos; m Incentive o compromisso da pessoa com a meta;

m Faça avaliações e forneça feedback!


Eixo B - Dimensões cognitivas do treinamento na formação esportiva


*Os conteúdos desse eixo temático são baseados nos modelos de neurociência aplicada ao esporte elaborados pela Sensorial Sports e citados a seguir.


Moreira, C.M., dos Santos, A., Souza, V.C., Ávila, M.A.V. (2020). Neurociências aplicadas ao tênis de campo: Preparando o cérebro para o ambiente dinâmico do esporte e-book Sensorial Sports Tennis Program. 1 a Edição.


Modificado de: Moreira, C.M., Souza, V.C., Ávila, M.A.V. (2020). Introdução às neurociências aplicadas ao esporte e exercício físico. e-book Sensorial Sports. 1 a Edição. Disponível em:


http://sensorialsports.com/materiais/


As neurociências representam um conjunto de áreas científicas associadas ao estudo do nosso sistema nervoso, desde o estudo das moléculas que compõem nosso sistema nervoso, até o estudo sobre o comportamento de grupos de pessoas. As neurociências englobam disciplinas como as neurociências cognitivas, a psicologia, a neurobiologia, a engenharia computacional, a física e a medicina.


Nós entendemos que a desatenção e as decisões erradas são grandes limitadores de performance para todas as atividades que praticamos. Veja atenção e tomada de decisão como processos interdependentes. A atenção e as decisões fazem parte do mesmo todo, de forma que um influencia diretamente o outro. Assim como as demais ciências do esporte e do exercício físico, nós também consideramos que pessoas monitoradas e treinadas melhoram seu desempenho. No nosso caso, ficando mais rápidas e precisas. Ou seja, errando menos. Dessa forma, dois dos muitos benefícios da aplicação das neurociências no treinamento de futebol é a expansão da performance do tenista.


Pense no cérebro como um membro com diversos músculos. Pense agora que no caso do cérebro, esses músculos são as capacidades cognitivas, como atenção, memória e controle. Assim como um quadríceps fraco, ou com baixa flexibilidade, nossos processos cognitivos impactam diretamente a performance esportiva. Sendo assim, a falta de informação sobre essas capacidades pode ser um grande limitador da performance de um goleiro. Por outro lado, o treinamento de capacidades cognitivas pode ser determinante para uma performance equilibrada, em alto rendimento.

Mais do que isso, ao treinar o cérebro, ele fica mais flexível. O que é ter uma cognição flexível? Uma cognição flexível possibilita que o goleiro possa responder da melhor maneira ao que está acontecendo dentro e fora dele. Tanto nosso ambiente interno como o que nos rodeia muda a TODO INSTANTE. E essas mudanças interagem e formam um universo super dinâmico. A flexibilidade cognitiva permite que acompanhemos essa mudança e, em muitos casos, possamos ter algum controle sobre ela. Antecipando eventos e nos comportando de forma que outras pessoas não haviam imaginado.

A aplicação das neurociências no esporte e no exercício físico não é somente uma forma de decidir corretamente, é também uma forma de conseguir decidir acima da média. Uma forma de nos tornarmos menos previsíveis. No esporte, a performance tem dia e hora marcados. E isso gera um grande estresse para os atletas. Treinar nosso cérebro também é uma forma de evitar que erremos em momentos especiais para nossa carreira e para nossa vida. Treino é treino, jogo é jogo. E nos dias que estão realmente valendo, nosso cérebro lida com muitas demandas extras. Treiná-lo é o mesmo que treinar o sistema cardiorrespiratório. No dia da competição, o goleiro pode cansar mais rápido. E caso ele esteja em uma condição cardiorrespiratória acima da média, quando o dia da competição chegar, por mais que ele canse mais rápido, ele consegue manter uma boa performance. E sua atenção? Como ela é em dias de jogo? Dias de competição? Você consegue se manter focado? Treiná-la, assim como treinar outros processos cognitivos, pode ser o que falta para atingir seus objetivos.


Percepção e Atenção


Entre nossas capacidades sensoriais, a visão é a mais importante para nossa rotina. Especialmente no esporte, a visão corresponde de 80 a 90% de toda a informação externa que os atletas utilizam para suas tomadas de decisão. A percepção de contraste é o início do processamento visual e é feito por neurônios do córtex visual chamados de células simples. A partir desses primeiros processamentos, células complexas passam a processar outros elementos da imagem, como o movimento. Existe portanto uma hierarquia no processamento das informações sensoriais (seja visão, audição, etc... ) na qual neurônios em estágios mais avançados da hierarquia processam elementos mais complexos dessas informações sensoriais. E ainda mais interessante, o cérebro completa informações de forma que nem sempre o que vemos existe. Muitas vezes, o que percebemos é resultado do processamento que o cérebro realiza com base em experiências passadas. Por exemplo, você enxerga dois triângulos na imagem abaixo?


O triângulo branco com as pontas dentro dos círculos pretos não existe na imagem. Nosso cérebro o cria por meio de uma ilusão baseada no fato de que, de acordo com experiências passadas, esperamos que exista um triângulo preenchendo esses vértices. Esse funcionamento do cérebro é super importante porque está bastante associado ao treinamento e à aprendizagem da percepção. Isso porque o cérebro de pessoas treinadas passa a reconhecer padrões que são frequentes nos seus contextos. Dessa forma, o cérebro passa a processar as informações sensoriais de forma mais rápida e eficiente.


Por exemplo, goleiros mais experientes passam a reconhecer melhor a rotação da bola porque reconhecem melhor os padrões de movimentação das linhas da bola de futebol. Na canoagem, o atleta passa a reconhecer mais rapidamente a velocidade que o seu companheiro está tentando atingir com base no reconhecimento mais preciso da inclinação do remo. A inclinação da raquete da adversária também é super importante para que a tenista consiga prever a direção da bola que ela receberá em menos de meio segundo.


Portanto, a percepção é o ponto de partida para todo um processamento cognitivo que resultará nas tomadas de decisão e adaptação do indivíduo ao ambiente que sofreu, inclusive, alterações por sua decisão.


Nesse contexto, a atenção, por exemplo, é essencial para todos os outros processos cognitivos. Se nossas decisões fossem lindos móveis de madeira, a atenção teria o papel de escolher as melhores, mais úteis e mais bonitas madeiras para a criação desses móveis. Sendo assim, a atenção tem o papel de selecionar a matéria prima das nossas decisões. Pare um pouco e pense na quantidade de informação visual que existe chegando até você agora. Talvez exista um papel ao seu lado, um copo com água, ou um com café, uma mesa, uma fotografia, um livro, uma caneta, ou mesmo árvores, pessoas, etc…


Todas essas informações chegando até você ao mesmo tempo. Mas você estava prestando atenção nelas? Bom, talvez em algumas. Mas, se tudo estiver conforme planejado, você está prestando atenção principalmente no que eu estou “falando” agora. Ou seja, nós não processamos da mesma forma todas as informações que chegam pra gente. Nós filtramos algumas dessas informações e a atenção é isso. É o processo de filtrar parte das informações

disponíveis tanto no ambiente que nos rodeia, como informações internas, como memórias, emoções e etc.


Esse filtro é essencial para que nós possamos processar com maior qualidade as informações mais importantes. Isso porque nosso cérebro processa centenas de bilhões de bits por segundo, mas nós não conseguimos processar toda essa informação em alta qualidade, por isso precisamos de um filtro que processa as informações mais relevantes, para processarmos essas informações com qualidade superior às outras.


Nós temos alguns tipos de atenção. A atenção seletiva, que nos permite prestar atenção a coisas importantes e não nos deixar distrair com informações que não são úteis para o que estamos fazendo. A atenção dividida permite que a gente preste atenção em mais do que uma tarefa que executamos ao mesmo tempo. E a atenção sustentada, que reflete nossa capacidade de prestar atenção em informações importantes durante um tempo suficiente para fazer nossas tarefas de forma correta. Por exemplo, o goleiro tem que prestar atenção em diversos elementos de um jogo: movimentação do seu adversário, da sua defesa, na bola, no som da bola, no placar, no seu posicionamento no gol, entre outros. Ao mesmo tempo, ele não pode prestar atenção na torcida no meio de um contra-ataque do adversário, ou prestar atenção em como sua luva está molhada prestes a uma cobrança de escanteio. E finalmente, ele não pode prestar atenção em informações importantes apenas durante parte da partida. Ele tem que sustentar a atenção durante a maior parte da partida.


O mais importante é que nossa atenção pode ser aprimorada. Ela pode ser treinada. Ou seja, nosso cérebro pode aprender a prestar atenção em diferentes informações importantes, se distrair menos e fazer isso durante mais tempo nas nossas atividades. E isso é possível pela capacidade de transformação das conexões dos nossos neurônios, devido a plasticidade cerebral. De forma que uma boa atenção refletirá a capacidade do goleiro em filtrar informações relevantes para tomar as melhores decisões.


Eixo C - Reflexões sobre o papel do treinador na formação do atleta para além do desempenho esportivo


Introduzo o último eixo temático com uma reflexão acerca do papel não só do preparador de goleiro, mas de todo membro de comissão técnica que está diretamente ligado à formação esportiva. Formação. O que essa abordagem de trabalho nos traz como responsabilidade? Imagino que ao longo de toda sua carreira, muitos garotos e garotas passaram por você. Cada um ou cada uma com sua personalidade, seus sonhos, seus pontos fortes e fracos, e que confiavam (claro que em diferentes níveis) em seu conhecimento e experiência trazidos no dia-a-dia de trabalho. O sonho de uma carreira profissional, que guia grande parte dessas crianças e adolescentes, passa por sua mão. Seus comportamentos, o que você diz e expressa importa demais para seus alunos e alunas, ou seja, ao mesmo tempo que você pode ser um grande facilitador para uma trajetória rumo ao sucesso, pode ser também uma barreira.


Uma responsabilidade importante é desenvolvermos indivíduos que tenham uma autoestima e auto confiança necessárias para o enfrentamento de situações-problema. O atleta em formação irá vivenciar diferentes situações e sentimentos que exigirão tomadas de decisão muito importantes e que não são comuns para indivíduos de 14, 15 anos que não vivem essa realidade.


Vou trazer aqui alguns conceitos que acredito poderem ajudar nesse processo. O primeiro é o incentivo. Novamente, peço para que a gente considere nosso jovem goleiro que foi exemplo nos temas anteriores. Ainda quando na escola de futebol de sua cidade, ele levava uma rotina bastante desregrada quanto à alimentação e descanso. Ao chegar no clube, teve acesso a informações e recomendações sobre dietas, higiene do sono e uma série de práticas que poderia realizar para aumentar seu desempenho. Nada disso fazia parte de seu repertório comportamental até o momento. Então, o que seria fundamental para que, em pouco tempo, ele desenvolvesse esses novos comportamentos?


Nesse contexto, o incentivo é um conceito importante. Trata-se de uma relação dos comportamentos do indivíduo dirigidos aos seus objetivos e metas. O valor do incentivo sustentará uma ou mais classes de comportamento que não tem a recompensa desejada contingente, isto é, o que incentiva não será alcançado apenas e logo após a realização de certa tarefa, mas será o resultado de uma série de comportamentos do indivíduo que o colocará mais próximo a atingir seus objetivos. Assim, se o valor de incentivo do nosso jovem goleiro é tornar-se profissional, esse objetivo mantém todo um repertório comportamental que envolve desde o treino, até mudanças na sua rotina alimentar e de sono. Alimentar-se bem e ter garantido uma quantidade de descanso suficiente não o fará ser profissional no dia seguinte, mas a manutenção desse repertório contribui para colocar o atleta mais próximo dessa meta. Por isso, é importante que o treinador considere esse elemento para buscar a manutenção da motivação dos atletas em processos fundamentais para sua formação, mesmo que eles não tragam um benefício imediato.


Outra maneira de se manter um repertório comportamental desejado é através do reforço. Esse paradigma clássico da aprendizagem e do comportamento por vezes não é bem compreendido por profissionais do esporte, principalmente quando tratamos de reforço positivo e reforço negativo. Observe o quadro abaixo:


Reforço implica na relação contingente entre estímulo, resposta e consequência que aumenta a probabilidade da resposta ser emitida no futuro. Punição implica na relação contingente entre estímulo, resposta e consequência que diminui a probabilidade da resposta ser emitida no futuro. Agora, vamos descomplicar os termos positivo e negativo que geram confusão. Positivo deve ser compreendido como um meio de se reforçar ou punir pela apresentação de um estímulo em consequência de um comportamento, resposta. Negativo deve ser entendido pela remoção de um estímulo em consequência de um comportamento. Assim, temos o reforço positivo e negativo - ambos aumentam a probabilidade da resposta no futuro; e punição positiva e negativa - ambas diminuem a probabilidade da resposta no futuro.


Vamos para exemplos dessas situações para melhor compreensão. Imagine que você está treinando a saída de gol por cima com seu grupo de goleiros. Um deles executa o movimento perfeitamente. Você o elogia e utiliza essa ação como exemplo para os demais, aumentando a potência desse elogio. Nesse caso, você reforçou o comportamento do atleta apresentando um elogio contingente ao seu comportamento, o que caracteriza o reforço positivo. Reforço porque você deseja que esse comportamento se mantenha no futuro, e positivo pela apresentação de um estímulo que no caso é uma recompensa agradável para o atleta.


No mesmo exercício, o próximo atleta executa a ação e comete um erro técnico. Você dá uma bronca: “quantas vezes vou ter que repetir que essa bola tem que sair de soco? Tá fazendo de qualquer jeito!”. Aqui, você está buscando diminuir a probabilidade que no futuro, numa situação semelhante, o goleiro realize a ação que apresentou. Nesse caso, você está punindo o comportamento apresentando um estímulo (bronca) contingente, o que caracteriza a punição positiva. Punição porque você deseja que esse comportamento não se repita no futuro, e positivo pela apresentação de um estímulo que no caso é uma recompensa desagradável para o atleta.


O reforço negativo se manifesta de duas maneiras: fuga e esquiva. Fuga é quando o indivíduo se comporta a fim de cessar algum estímulo desagradável que está o atingindo diretamente. Esquiva é quando o atleta ao perceber uma sinalização de um estímulo desagradável, o evita antes que o afete. Então, essas relações são consideradas reforço negativo. Reforço porque têm suas probabilidades de ocorrerem no futuro aumentadas. Negativo porque ocorrem a partir da eliminação (fuga) ou evitação (esquiva) de um estímulo desagradável. Vamos para exemplos? Imagine um goleiro que não tem confiança de jogar com os pés. Quando recebe um passe no jogo e é pressionado (situação aversiva) se livra da bola o mais rápido possível com um chutão, mesmo tendo condição de fazer um passe para o lateral, como exaustivamente treinado. Nesse exemplo, ao perceber um sinal de risco (pressão do adversário) o goleiro se esquiva da possibilidade do erro (que é uma situação desagradável) e elimina o estímulo desagradável (ter a posse da bola pressionado). Assim, na mesma situação no futuro, ele vai tender a executar a mesma resposta, pois ela afastou consequências negativas do comportamento.


A punição negativa trata-se da diminuição da probabilidade de certa resposta acontecer no futuro pela retirada de um estímulo agradável. O exemplo mais simples são as multas. Imaginem uma multa por atraso no treino. Estamos punindo o comportamento porque visamos diminuir sua ocorrência no futuro ao tirar algo agradável do indivíduo, no caso uma quantia de dinheiro. Se por conta de um comportamento do atleta, você o tira do próximo jogo, você está punindo aquele comportamento ao tirar a possibilidade do atleta jogar que é algo desejado por ele.


Sabendo da distinção desses processos, qual a melhor conduta? Sem dúvida, o reforço é a melhor maneira de se instalar comportamentos desejados. Ele consolida a aprendizagem e modela o comportamento para aquelas ações que temos como objetivo desenvolver. Dessa forma, utilize o reforço positivo para fortalecer o repertório motor do atleta além de suas condutas como pontualidade, dedicação, seriedade nos estudos, cooperação, trabalho em equipe e demais habilidades de vida fundamentais para formação do indivíduo.


Então, quer dizer que não posso dar uma bronca nos atletas? Não. A punição positiva (lembre do conceito) pode ser eficiente para certos tipos de comportamento. Um ponto importante é que muitas vezes damos uma chamada de atenção nos atletas indicando o que eles não devem fazer. Mas isso não implica necessariamente na indicação do que eles devem fazer. O “não” deve ser evitado. Indique sempre o comportamento desejado, seja algum gesto motor ou comportamento tático, seja uma conduta. “Não se atrasem”’. Se o atleta chegar com 1 hora de antecedência e outro chegar exatamente no horário combinado, os dois não se atrasaram mas tiveram respostas bem diferentes. “Cheguem com 10 minutos de antecedência” é muito mais funcional.


Outro aspecto relacionado a formas de dar um feedback negativo em relação ao desempenho do atleta é o que chamamos de método sanduíche. Você inicia seu feedback com algum aspecto positivo indicado do desempenho ou conduta do atleta. Em seguida, apresenta o feedback negativo como o recheio do sanduíche. Assim, finaliza seu feedback com indicações positivas e fala com tom de esperança. No próximo parágrafo tem um exemplo de feedback sanduíche.


“Você demonstra muita vontade nos treinamentos e interesse. Essas são características que valorizamos e esperamos dos atletas. Continue assim. Sabemos também que você tem mostrado algumas deficiências na técnica de algumas ações, e é importante que você saiba que esses são pontos que você precisa melhorar. Está hesitando em algumas saídas de bola, então temos que trabalhar essa tomada de decisão, além de alguns ajustes da parte física que você já conhece. Com sua dedicação e força de vontade, vamos pegar mais firme ainda nos treinamentos. Só assim vamos conquistar nossos objetivos. Posso contar contigo? Há alguma coisa que deseja falar?”


Uma estratégia para tanto dar feedbacks quanto estabelecer as metas de processo é separar partes do fundamento para que o atleta tenha uma aprendizagem facilitada. Fazer uma entrada de frente requer a sequência e ajustes de uma série de movimentos. Avalie cada um deles para que tenha clareza sobre onde o atleta está errando e, a partir disso, possa sinalizar com objetividade o que ele deve realizar de ajuste para obter sucesso nas próximas tentativas.


O grande objetivo dessas condutas trazidas nos exemplos é estimular a confiança dos atletas para que busquem, também, lidar com frustrações que inevitavelmente irão ocorrer. Por isso, é importante que a gente faça sempre uma auto avaliação sobre como está nossa comunicação e conduta com os atletas.


Pierre Parlebas, famoso sociólogo e teórico da educação física, dizia que o esporte é aquilo que se fizer dele. Então, temos diariamente a oportunidade de usarmos o esporte como meio de transformação pessoal e social. Somos passageiros


na vida de muitos garotos e garotas, por isso o papel de educador deve ser assumido por nós com responsabilidade. Cobrar o máximo sem dar o nosso máximo é incoerente. Se queremos dar o exemplo e ensinar valores por essa magnífica ferramenta que é o esporte, temos que colocar nosso 100%. E não é 110%, como ouvimos por aí. Pois a cada dia que alcançamos o 100, ele dá um jeito de crescer mais um pouco para continuarmos o perseguindo, pois ir além dele pode ser também perigoso. Por isso, recomendo também a leitura do breve material complementar sobre burnout.


Obrigado por essa jornada. Esperoque tenha aproveitado os conteúdos!


Até a próxima. Referências bibliográficas Atkinson, J.W. (1974). The mainstream of achievement-oriented activity. In J.W. Atkinson & J.O. Raynor (Ed s.), Motivation and achievement (pp. 13–41). New York: Halstead.


Hanin,Y.L. (1980). A studyof anxiety in sports. In W.F. Straub(Ed.), Sport psychology: An analysis of athlete behavior(pp. 236–249). Ithaca,NY: Mouvement.


Hanin, Y.L. (1986). State and trait anxiety research on sports in the USSR. In C.D. Spielberger & R. Diaz-Guerreo (Eds.), Cross-cultural anxiety (Vol. 3, pp. 45–64). Washington, DC: Hemisphere.


Hanin, Y.L. (1997). Emotions and athletic performance: Individual zones of optimal functioning. European Yearbookof Sport Psychology, 1, 29–72.


Hanin,Y.L. (2000). Emotions in sport. Champaign, IL: Human Kinetics.


Hanin, Y.L. (2007). Emotions in sport: Current issues and perspectives. In G. Tenenbaum & R.C. Eklund (Eds.), Handbook of sport psychology (3rd ed., pp. 31–58). Hoboken, NJ: Wile


Landers, D.M., & Arent, S.M. (2010). Arousal-performance relationships. In J.M. Williams (Ed.), Applied sport psychology: Personal growth to peak performance (6th ed., pp. 221–246).Dubuque, IA: McGraw-Hill


McClelland, D. (1961). The achieving society. New York: Free Press. McClure, B., & Foster, C. (1991). Group work as a method of promoting cohesiveness within a women’s gymnastics team. Perceptualand Motor Skills,73, 307–313.


Moreira, C.M., dos Santos,A., Souza, V.C., Ávila, M.A.V. (2020). Neurociências aplicadas ao tênis de campo: Preparando o cérebro para o ambiente dinâmico do esporte. e-book Sensorial Sports Tennis Program.1 a Edição.


Sage, G. (1977). Introduction to motor behavior: A neuropsychological approach (2nd ed.). Reading, MA: Addison-Wesley


Weinberg, R. & Gould, D. (2015). Fundamentos da psicologia do esporte e do exercício físico. Artmed,Porto Alegre.



Sugestões de Leitura Complementar:


Moreira, C.M., Souza, V.C., & Ávila, M.A.V. (2018). Ebook - As neurociências no esportee exercício físico.


Salomão, R.L., Ottoni, G.P., & Barreira, C.R.A. (2014). Atletas de base de futebol: a experiência de viverem alojamento. Psico-USF, 19(3), 443-455.


https://barcainnovationhub.com/pt/a-especializacao-precoce-de-atletas-e-a-sin drome-do-esgotamento-profissional-burnout-uma-relacao-perigosa/

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